Nasci em uma
pacata cidade interiorana no nordeste do estado de São Paulo. Conhecida como
Mococa. Como ocorre em toda cidade pequena, pude sentir na pele o que vem a ser
o provincianismo. Minha mamãe querida desde muito cedo me ensinara o caminho
das letras. Matriculando-me em escolas públicas e acompanhando meus estudos.
Cobrando as tarefas diárias intermináveis enviadas pelas professoras.
Com 12 anos de
idade aprendi o meu primeiro oficio com papai. Ajudante de pintor de parede.
Trabalhava meio período e estudava à tarde. Cresci no bairro da Mocoquinha,
onde ainda tenho amigos de infância e de parte da adolescência, tenho um
profundo carinho pelos moradores de lá. Minha casa situava-se nos fundos da
casa de vovó, uma doce pessoa que, recentemente, completara 94 anos de idade. Vendia
seus doces de leite invejáveis no bairro. Quando acordava brava, chegava ao
ponto de chamar Deus e o Diabo na ponta da faca!
Minhas férias
escolares sempre passei no distrito de Milagres – MG, na casa de minha outra
vovó. Andava a cavalo, nadava no rio das areias, invadia pomares dos vizinhos
sem ser autorizado, tomava refrigerante de uma maneira peculiar, através de um
furinho na tampinha para tomar bem devagar e demorar acabar. O café da manhã
aprendi com vovô, que comia farinha de milho com leite de vaca. Bebia garapa,
corria atrás de vagalumes na escuridão e escutava histórias de meter medo sobre
o período da quaresma, que diziam que não se poderia sair à noite. Mas eu
adorava a quaresma sabia? Por um único motivo: vovó dizia que, na quaresma, não
podia bater em crianças, mas no sábado de aleluia, sim.
Sempre fui um
menino levado, que sentava nas carteiras dos fundos da sala de aula. Recordo do
fato que, para eu não falar com os outros alunos de minha sala, atrapalhando
sua atenção à aula, me isolaram na frente de todos. Mesmo assim eu cantarolava
sozinho. Não levava a sério os estudos. No entanto quando prestei o vestibulinho
para a escola “Industrial”, por incrível que pareça, passei. Nessa instituição
conclui o ensino médio e técnico que eram concomitantes. Terminara o ensino
médio com o sonho de ingressar em uma Universidade Pública.
Trabalhei como
pintor de paredes, segurança noturno, fazia e vendia artesanatos, tocava em
bandas de Punk Rock, estampava camisetas, vendedor de roupas, até conseguir meu
primeiro emprego de vendedor em um comércio da cidade, este com carteira
registrada, depois ainda trabalhei em outra loja. Neste período continuei meus
estudos, fazendo espanhol em um sindicato, e ingressei no ensino técnico no
curso Turismo, assim me reaproximei do ambiente escolar, pois não tinha
condições de pagar um cursinho.
Depois de
muita insistência em três anos consecutivos, eu consegui finalmente ingressar
na Universidade Estadual Paulista campus Franca. Pedi demissão de meu emprego
para viver meu sonho que buscava há tempos. Fui bolsista durante três anos na
faculdade, tinha de ter ótimas notas e não faltar às aulas, caso contrário,
perderia o auxílio. Afirmo com toda certeza do mundo: foi o melhor período de minha
vida, de amadurecimento, superação de dificuldades, das saudades da família e
amigos, formação de novo círculo de amizades, que permanecem até os dias atuais
e, principalmente, pelo conhecimento adquirido, tanto dentro da universidade
assim como na vida cotidiana fora dela. Fiz viagens com a faculdade a
congressos que me permitiram conhecer boa parte do Brasil, e vivenciar outras
realidades.
Se é que existiu
um dia mais feliz de todos em minha vida, este foi o dia de minha formatura.
Estava estampada no rosto de meus pais a alegria, satisfação e o orgulho por
aquela conquista, na qual eles tanto me apoiaram para que fosse atingida.
Ficou a
saudade dos amigos, cada qual seguiu seu caminho, para lugares distantes.
Permaneci em Franca de 2004 a
2009. Depois de me formar ainda lecionei por 2 anos em escolas públicas, fui
professor de um cursinho popular da UNESP, voluntário sem remuneração. Consegui
concluir um curso de pós-graduação na mesma instituição.
Depois de todo
este tempo envolvido no meio acadêmico e em sala de aula, resolvi realizar o
que considero a coisa mais incrível de minha vida. Viajar pela América Latina
de carona com muito pouco dinheiro. Conheci quase toda a Bolívia: Lago Titicaca
e Isla Del Sol, escalei a mais de 5620 m de altura na Cordilheira dos Andes. Boa
parte do Peru, incluindo Puno, a capital folclórica deste país, Cusco, a capital
Inca e Machu Picchu, um lugar simplesmente indescritível. Também não poderia deixar
de conhecer o Chile e o Deserto do Atacama, o local mais árido do mundo.
Banhei-me no Oceano pacifico, senti temperaturas que variaram abaixo de –20ºC,
a +45ºC. Depois de passado um ano de férias merecidas andando pelo Brasil e América
Latina, eu voltei a minha cidade natal, mas não seria para ficar para sempre.
Meus
familiares necessitavam de minha presença para resolver coisas pessoais. Voltei
meus estudos para as provas de concursos, retomei o estudo de línguas
autodidata. Fiquei mais próximo de familiares e amigos. Só que havia esquecido
o funcionamento das coisas por aqui. Pois ficara por 6 anos vivendo outra
realidade, distinta em uma série de fatores. Literalmente depois e tomar vários
banhos de multidões cosmopolitas não me lembrava do marasmo provinciano da
terra natal.
Tentei
transplantar idéias que conheci e vivenciei em outros lugares. Busquei à minha
maneira, alguma forma de transformar a realidade da cidade. Só não sabia que ao
ser reconhecido por poucos, muito poucos mesmo, eu estaria gerando sensações de
mal estar, ciúmes, inveja e seja lá qual for à palavra para descrever o
sentimento que ocorrera em muitas pessoas. Busquei entender o porquê, não
consegui, talvez seja porque elas por aqui ficaram e em nada mudaram. Enquanto eu,
o “Outsider” voltei com intuito de transformação o que foi confundido com
“vontade de aparecer”.
De certa forma
fui incompreendido tanto pelas elites e pelos mais abastados. Fui julgado e
condenado pela esquerda assim como pela direita. Dessa forma fui condenado ao
esquecimento, fui boicotado e tive de tomar diversos cuidados, pois ambos os
lados queriam a minha cabeça, creio que o fato de sempre dizer o que penso. Ou ainda
pelo fato de eu ter conseguido realizar meus sonhos e ter vivido uma vida
íntegra e feliz. Por onde quer que eu tenha passado fiz amizades de valor
inestimável.
Aprendi a não
ter apego a bens materiais, preferi conhecer lugares à comprar um carro, escolhi
pagar cursos de línguas à comprar computadores, consegui me desmaterializar.
Charge em alusão ao filme O sétimo selo.Bergman.1957
É chegado meu
dia. O dia amanhece frio, cinza e triste. Chegara a minha hora. O tão esperado
encontro com quem jamais queremos nos encontrar. Ela já estava a minha espera há
tempos, nunca tive medo dela, sempre a encarei com naturalidade.
Antes disso,
um velório simples, sem muitas cerimônias e honras, nada de flores, nem faixas,
conforme eu havia pedido já previamente a minha família e amigos. Tocou-se
muita música e, do lado de fora, servido cachaça.
Também não percebeu-se choros, pelo contrário,
muitas gargalhadas foram dadas com a lembrança de minha pessoa: engraçada,
polêmica, provocadora, contraditória, encantadora, fiel, leal e amiga. Amigos
vieram de muito longe para prestar suas últimas homenagens. Centenas de pessoas
passaram pelo meu corpo, claro que a esmagadora maioria, para se certificar de
que eu estava realmente morto.
Durante o
velório entrara uma pessoa vestida toda de preto e encapuzada, esta descarregou
uma arma em meu cadáver em
exposição. Queria
certificar-se que eu estava morto. Ou seja, a morte viera me visitar
duas vezes, ela também teve sentimento de repulsa por mim, pelo fato de ter
vivido uma vida inteira à minha maneira, buscando ser feliz, sem invejar o
próximo e muito menos desejar o mau a qualquer pessoa.
No enterro,
assim como durante minha curta vida, não faltaram mãos para me empurrar para
baixo. Misturado a terra havia centenas de quilos de sal marinho. Pois mesmo
com a certeza de que eu estava realmente morto, depois de passar por duas
autópsias e ficar sendo velado 24 horas, queriam ter a certeza de que ali não
iria nascer nenhum ser vivo. Teve até um abaixo assinado on-line a favor de meu
corpo ser cremado e da não doação meus órgãos.
Na lápide de
pedra, bem humilde, esta estampada a seguinte frase: AQUI JAZ UM HOMEM QUE
MORRERA REALIZADO E FELIZ.
Acontece que
todo o ódio, rancor, ganância, falsidade, inveja e mesquinharia, ainda perpetuam
nos corações mais infelizes e amargurados nos mais diversos cantos da cidade,
em todas as classes sociais e políticas. E somente agora que me mataram por
duas vezes pude entender que a principal regra de convivência, para parte da
população desta cidade em que nasci é: “É PROIBIDO SER FELIZ”. Eu ousei desrespeitá-la sem saber e paguei o preço.
Nada mais justo, para eles é claro.
É preferível
ter uma vida curta e FELIZ do que uma vida longa e repleta de INFELICIDADE.
Gustavo de Souza Pinto. FOI (Técnico em
Desenho de Arquitetura, Técnico em Turismo, Bacharel, licenciado e Pós-graduado
em História.
UNESP-Franca )
Contato:
clioprojetosculturais@gmail.com
Muito bom texto amei querido Gustavo realizado e Feliz assim entendo a existencia ...feita de momentos !!!Parabéns bj paz e bem !!!
ResponderExcluirvelho amigo, minha vida de morto aqui em SC está muito boa, as portas da minha casa estão sempre abertas e tu és muito bienvenido....david
ResponderExcluirParabéns Jhoey! Seus textos são muito bons,trazem inspiração para nós jovens que sonhamos tanto com uma vaga na universidade, além de nos mostrar maneiras para superar essas questões provincianas da nossa cidade, já que propõe alternativas para ampliar os nossos objetivos e sonhos, e uma delas é a ousadia de explorar o novo, o desconhecido. Essa experiência sua será uma grande lição de vida para nós. Felicidades! Um grande abraço.
ResponderExcluirÓtimo texto, me fez lembrar de duas frases, uma que não sei o autor mais vi através de um grande cara" Só a luta muda a vida" e uma outra é de um autor um pouco mais conhecido, "Para criar inimigos não é necessário declarar guerra, basta dizer o que pensa ".
ResponderExcluirGrande Gustavo, para nós o querido Joe! Menino, homem de luta!!! Belo texto, possibilita boas reflexões, sobre a vida, a educação, a cultura, os sonho, enfim sobre a nossa vida. Beijo!
ResponderExcluirEu gostei do texto, e espero que vc consiga reviver de sua morte e continue quebrando a regra "É PROIBIDO SER FELIZ"
ResponderExcluirParabéns Joe, seu texto é ótimo. Fico feliz por suas realizações e principalmente por ser uma pessoa autêntica e de caráter. Grande abraço!
ResponderExcluirSou do Distrito de Milagres mas hoje moro em Poços de Caldas gostaria quem são seus familiares que residem em Milagres pois passei toda minha infância em milagres e talvez nos tenhamos ate nos conhecido pois eu e meus amigos vivíamos nadando no rio das areias, rio que hoje que esta improprio para este fim devido esgoto depositados nele
ResponderExcluirA Familia popularmente conhecida como Sr. Zé Canhoto. Conhece?
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