A Epopéia do Palhaço Pipoca
Antero Xavier, identidade secreta do personagem popularmente conhecido como Palhaço Pipoca. Nos conhecemos ainda em minha adolescência, quando cursávamos o ensino médio técnico em Desenho de Arquitetura na Escola Industrial, hoje E.T.E Francisco Garcia. Antero. Não teve oportunidade de estudar quando jovem, com muito esforço conseguiu cursar o supletivo e passar no processo seletivo do Ensino técnico.
Mas sua trajetória vem de bem antes, artista autodidata, um escultor em madeira de extrema habilidade, produzia verdadeiras obras de artes e nem ao menos era reconhecido como tal. Certa vez, após diversas tentativas em expor suas obras no museu municipal, sem êxito, chamou a mídia, colocando a boca no trombone.
- Estou tentando mostrar as obras de arte que faço e não me sedem espaço, se não me fornecerem ao menos isso num prazo de 30 dias, eu vou queimar todas em praça publica, pois é isso que querem que eu faça.
O povo ficou chocado após tamanho ato de audácia e coragem. Eles resolveram conceder o espaço para sua amostra de esculturas esculpidas em madeira, um verdadeiro ecletismo típico da arte moderna contemporânea.
Recordo como se fosse ontem de quando fui até sua casa, localizada na rua Pedro Sales Molina, no bairro popular Francisco Garófalo, (mais conhecido como Guerrolandia de baixo). Antero morava sozinho em um trailer, estilo daqueles típicos americanos que vemos em filmes, este repleto de esculturas e também de imagens de santos. Ele não era um beato fanático, mas visava seu ganha pão, pois trabalhava como restaurador de imagens e esculturas de gesso. A profissão de restaurador era apenas uma das muitas profissões as quais se submetia para conseguir sobreviver, pois já trabalhou de pintor letrista, fabricou bancos de concreto para praças e por ai foi traçando sua carreira.
Além de artista plástico também era poeta marginal, escrevendo centenas de poesias em todos os imagináveis tipos de papeis possíveis. De uma inspiração invejável, com muita batalha, conseguiu publicar no final da década de 1990 um livro com algumas destas poesias, que mesmo sendo com uma baixa tiragem, conseguiu fazer seu lançamento na Biblioteca Municipal.
Mesmo antes de se tornar Palhaço Pipoca, Antero já era naturalmente divertido. O curso da E.T.E Francisco Garcia funcionava no primeiro andar do prédio fronte a praça principal da cidade, a tão conhecida praça da matriz, que proporcionava um visão privilegiada da fonte na qual se situa uma escultura de Bruno Giorgi. Depois de pedidos incessantes para sair e tomar lanche, Antero resolveu comprar seu lanche, jogou o dinheiro para o rapaz que trabalhava no carrinho de cachorro-quente em frente a escola. Todavia não tinha como jogar o lanche e o refrigerante para cima e, de improviso, pegou um pano que servia para limpeza da sala de aula fazendo diversos retalhos, com inúmeros nós conseguiu criar uma espécie de corda, baixou esta e içou o lanche e logo depois a garrafa de refrigerante, isto durante a aula de desenho técnico. Para seu azar estávamos bem embaixo da diretoria e a vice-diretora foi testemunha ocular do fato. No mesmo instante, ela subiu as escadarias e foi até a nossa sala, para averiguar o fato. Rapidamente ela foi culpando os alunos mais visados da sala. Porém não tinha como provar os culpados, pois a corda, prova do crime não estava mais no local. Após um verdadeiro sermão de quase uma hora e de intensas ameaças de suspender a sala toda por uma semana, caso não entregássemos o responsável por tal façanha, a sala permanecia em extremo silêncio. A tortura psicológica prosseguiu por mais alguns minutos, até que tiveram a idéia de fazer a denuncia anônima por meio de bilhetinhos, então chegou o momento em que Antero levanta-se e diz:
- Foi eu professora.
A vice-diretora chocada responde:
- Mas você! Eu jamais esperava isso, pensei que fosse qualquer outra pessoa, você só pode estar brincando né. Ou esta assumindo a culpa de algum colega?
A sala toda não se agüentou e colocou pra fora toda a risada engasgada durante o sermão e seção de tortura psicológica de mais de uma hora.
Pedidos de silêncio não cessaram as risadas que continuaram mesmo baixinho nos cantos, e vice-diretora continuou seu sermão agora em especifico ao Antero.
- Você o mais velho da sala, que deveria servir de exemplo para todos os seus colegas, me faz umas destas. Que decepção, você não tem vergonha?
- Tenho, mas.
Recordo que alguns alunos até disseram:
- Isso é para a senhora aprender a não nos julgar pela aparência e sempre ficar colocando a culpa nos mesmos.
Sua carreira de palhaço inicia-se neste mesmo período, pois seus empregos formais não traziam ganhos suficientes, como a cidade não tinha nenhum palhaço com uma visão empreendedora resolveu iniciar sua carreira.
Como todas as outras, sua nova carreira necessitava de capital inicial e de ótimas idéias para que o negócio prosperasse, pois é assim que funcionam as regras do sistema capitalista. Boas idéias eram o que não faltavam. Arrumou algumas roupas, fez as devidas reformas e aos poucos foi criando o guarda roupa do Palhaço Pipoca. Criou uns panfletos e distribuiu pela cidade e foi conseguindo ganhar seu dinheiro e também se tornar popular na cidade.
Foi neste mesmo período em que aconteceu um dos fatos mais hilários de sua carreira de palhaço. O dólar encontrava-se em baixa, no mesmo valor do Real e assim, conhecíamos a ascensão das famosas lojas de R$1,99. Foi inaugurada uma destas na esquina da rua Pernambuco, com a rua Maranhão, no bairro da Vila Santa Rosa, onde ocorre até os dias atuais a tradicional feira de Domingo. Eis que o Palhaço Pipoca fora convidado para animar a inauguração deste estabelecimento comercial, que era novidade para o povo da periferia. Serviram algodão doce, pipocas, colocaram carro de som e tudo mais e lá estava o nosso herói das gargalhadas. Brincando com a criançada pobre da periferia e tirando fotos com os filhos da burguesia em seu colo. Acontece que a criançada é sapeca e estavam com algumas bombinhas e traques soltando ali por perto e por essa ele não esperava. Durante uma das fotos, um moleque levado resolveu colocar um traque dentro de seu enorme sapato. Sobre o fato ele relatou o seguinte:
- Foi um Deus nos acuda, viu. Eu lá com a criança no colo, o pai com a câmera na mão se posicionando para fotografar e de repente aparece o moleque com o traque e joga dentro do meu sapato. Nossa, eu não sabia se entregava a criança ao pai, se balançava a perna, se corria ou se ficava parado. Até que o traque explodiu dentro do meu pé, não sei nem como fiquei na foto, e o pior que todos os presentes acharam que eu estava fazendo palhaçada.
Pipoca teve serias queimaduras de 3° grau e teve de ficar semanas andando calcando em um pé, chinelo; no outro, sapato. Sobre, o fato recordo-me que até o ironizei dizendo o seguinte:
- Dizem que alegria de palhaço é ver o circo pegar fogo, a alegria de criança é ver o palhaço pegar fogo. Porque você não faz umas apresentações pirofágicas, vai ser um sucesso.
- Você faz piada porque não foi com você, né!
- Isso é para você aprender que a profissão de palhaço é algo insalubre, e que tem que ganhar mais pelos serviços prestados.
- Sabe que você tem razão. Tenho de cobrar mais caro.
Só o trabalho de palhaço também não era suficiente para sobreviver, então Pipoca resolve entrar para o ramo das propagandas volantes. Poréme ele não possuía automóvel nem ao menos motocicleta para efetuar este trabalho. Por isso resolveu copiar a autêntica idéia de um ex-candidato a vereador, que fazia propaganda eleitoral utilizando uma bicicleta com uma bateria de carro e um toca fitas.
Desta forma, Pipoca projetou sua própria bicicleta pintada de diversas cores, que tinha um guidom enorme e no seu alto uma cabeça de boi, na garupa estavam adaptados a bateria de carro, o toca fitas K7 e os autofalantes. Assim, foi aos poucos conquistando seus clientes circulando principalmente pelo centro da cidade, fazendo propaganda e espalhando por onde quer que passasse muita alegria, sem pedir nada em troca. Se tivesse muito sol, lá estava ele debaixo daquela roupa quente. Se fizesse frio, também com seu casaco estilizado. Se chovesse, engana-se você que ele não estivesse pelo centro com sua bicicleta encostada na praça do Rosário, debaixo de um guarda-chuva colorido e com certeza espalhando diversão em todas as estações do ano. Todo dia, pedalando quilômetros, soltando com toda alegria sua frase que se tornou um chavão em Mococa.
- Oi tudo bem colega? Um abraço, um beijo e um queijo!
Jamais negou atenção a quem quer que fosse, não fazia distinção de classe social, tratava todos da mesma maneira. Sempre alegre e sorridente, mesmo que a vida assim não fosse, fazia do personagem Palhaço Pipoca parte da sua vida, ou melhor, tomando toda a vida. Para complementar o orçamento, resolveu comprar um carrinho tipo estes de parquinhos infantis, para trabalhar aos sábados e domingos na praça da centenária igreja matriz. Lá estava ele empurrando o carrinho em volta da praça com as crianças dentro e com sua voz fina e estridente guiando a alegria e arrancando gargalhadas da criançada e porque não dos adultos também. Desta forma, o Palhaço Pipoca se apropriou da vida de Antero, e este se encontrou envolvido completamente com o personagem que havia criado, pois a maior parte do tempo estava fantasiado e trabalhando inclusive aos sábados e domingos a noite, seja na praça da matriz ou nas festinhas de aniversário que fomentava sua verba de sobrevivência.
Era praticamente impossível vir a Mococa e não conhecer o Palhaço Pipoca, ele era como um deus - onipresente em todos os cantos da cidade. Na saída da missa dominical noturna, como de costume, o povo leva os filhos à praça para brincar e ouvir a banda tocar melodias clássicas e populares. Lá está ele empurrando o carrinho, tirando fotos e nunca cobrando direitos de imagem. Tamanha era sua paixão pela música, que até chegou a entrar em estúdio e gravar canções para a garotada, um verdadeiro apaixonado pelas artes. Tanto que ingressou no curso de artes plásticas em uma faculdade de uma cidade vizinha e além de trabalhar o dia todo, a noite viajava para terminar o curso superior que tanto sonhara.
Além de apaixonado pelas artes, o Palhaço Pipoca também era apaixonado pela política. Tanto que, se candidatou para vereador e a foto do santinho eleitoral era a do próprio Palhaço Pipoca e não de Antero Xavier. Acontece que o fato causou um imenso furor na política municipal, pois o povo adotou o slogan:
- Palhaço por palhaço, vote no Palhaço Pipoca.
O slogan não foi bem visto pelos membros do partido que ele havia se candidatado. Assim foi suspensa a circulação dos santinhos eleitorais com sua foto de palhaço e foi mandado fazer novos santinhos e desta vez como Antero Xavier. Só que o fato de usar o verdadeiro nome e não o nome do personagem fez com que o povo em linhas bastante gerais, não lembrassem de quem era Antero, o que acarretou em falta de êxito nos resultados eleitorais. Ele, porém, conseguiu provar que existe palhaçada até na política. Depois de Pipoca percebi que o que difere o palhaço do político é apenas a maneira de se vestir: pois ambos são personagens. Só que o palhaço nos traz alegria, enquanto o político faz palhaçada que para nós não tem graça alguma e no final ri da nossa cara.
Após três anos, conseguiu terminar o curso de artes plásticas e tentou ingressar na carreira de professor, sem muito êxito. Ainda criou o parque do Palhaço Pipoca, localizado próximo ao asilo no quintal de uma casa, lá realizou as devidas reformas e instalou o estabelecimento. Nessa empreitada, não foi tão aceito pela população e aos poucos, com o baixo movimento, teve de ser desativado.
Após batalhar em muitas profissões, estudar e construir sua casa própria e constituir família, certo dia o encontrei na avenida da entrada da cidade a conhecida Av. Padre Demostres. Ele desabafou:
- É, do jeito que as coisas vão indo, eu estou pensando em ir embora de Mococa, viu! Enquanto era só eu dava pra viver. Agora, com família esta cada vez mais difícil. Meus projetos não dão mais certo, não consigo dar aulas e não vejo reconhecimento. Está difícil. Estou pensando em me mudar para uma cidade maior, onde eu possa ter mais oportunidades e quem sabe encontrar reconhecimento e melhores condições de vida.
Confesso que fiquei chateado perante o desabafo por ele feito e não tive palavras para responder. Alguns meses depois, descobri que ele havia mudado para a cidade de Americana. Anos se passaram, ficou somente a saudade e nem se quer notícias do Palhaço Pipoca. Perdemos totalmente o contato e eu segui o meu caminho ele o dele, caminhos diferentes e individuais. Porém, ainda mantivemos acessa a chama da amizade.
Este é Palhaço Pipoca, o poeta, o escultor, o cantor, o artista cênico, o restaurador, o desenhista, o político, o professor e como vivia dizendo quando recebia elogios por seus trabalhos:
- O maior artista é Deus.
Como vivemos na era tecnológica, caí na ingenuidade de procurar o amigo distante na rede de computadores mais conhecida do mundo, a Internet. Entrei em diversos sites de procura e após digitar muitas palavras chaves não encontrei nada. Então, resolvi apelar para uma das maiores futilidades: Algo chamado Orkut, mas também não obtive sucesso em minha busca.
Eis que nas férias de julho de 2006, eu estava indo visitar um primo, encosto meu carro em um posto de gasolina localizado na entrada da cidade, em frente a primeira rotatória onde possui um Cristo de braços abertos. Para minha surpresa, quem estava parado logo na frente abastecendo, era o próprio Antero Xavier, ou melhor, o Palhaço Pipoca. Nos abraçamos por alguns minutos para matar a saudade de anos, por ali permanecemos conversando sobre nossas vidas e qual caminho escolhemos a elas. Anotei seu endereço e telefone, e realmente está morando em Americana, ele confessou que não estava inserido na era tecnológica globalizada chamada Internet. Fiquei de qualquer dia fazer-lhe uma visita. Foi uma tremenda satisfação encontrá-lo após anos distante.
Mococa ficou órfã da alegria contagiante do memorável Palhaço Pipoca.
Este texto faz parte do Livro Doces Histórias de Mococa. Editora USP, 2007.
Gustavo de Souza Pinto
(Bacharel, licenciado e Pós-graduado
http://lattes.cnpq.br/6467391538040938
Contato: clioprojetosculturais@gmail.com
Primeramente gostaria de parabenizar o Grande historiador e grande amigo Joey pela excelente iniciativa de criar o blog e pelos textos aqui postados. Mocoquense, mas morando fora desde 2005 adorei ler a historia do palhaço pipoca e relembrar da cidade..com essa magnifica história tão detalhista pude relembrar da cidade e tudo que passei em Mococa..mais uma vez, Parabéns!!
ResponderExcluirGaranto que nem todos sabem/sabia de toda luta que Antero Xavier ja passou nessa vida!
Até mais!
Abraços e beijos, com carinho
Karen Tauil