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segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Um dia qualquer não importa qual seja a escola!


            Como canta Racionais “periferia é periferia em qualquer lugar” e escola de periferia também é escola de periferia em qualquer lugar. Assim me aproximo mais um dia da escola que trampo. Ou como diria os próprios alunos. Você trabalha ou só dá aula?
- Salve Joey! E essa bike ai? Cabulosa heim!
- Esta salvo! Ou melhor, é tá salvado que fala né!
             Saída dos alunos e professores do período da manhã e a entrada dos da tarde é aquela função. Bicicleta que sai bicicleta que entra. Entre gritarias e assovios que agitam a rotina do dia a dia. Porém desde que leciono sempre me indago por que alguns alunos - e estes não são poucos- sempre chegam bem mais cedo do que os demais que na sua esmagadora maioria vem na sola.
- Salve Joey! E essa peita ai? Das loka heim!
- Tá salvado!
            Chinelo de dedo branco remendado com clips que ganhou da inspetora, bermuda de tactel estampado do irmão e camiseta branca encardida. É assim que a maioria deles vão chegando, chegando e não para mais. Indo em direção ao refeitório tomar suco e comer bolacha.
- Oh tia! Rola pegar um pouco mais pra comer depois?
- Pode sim menino.
- Agradece!
            O sinal é o limite entre deixar de comer e ir para a sala de aula. Mochila fodida, ganhada da patroa da mãe, toda customizada com frases escritas de corretivo e coloridas de canetinhas. Logo a professora pergunta.
- Onde esta o seu material?
- Material? Para que material, se eu venho na escola para comer!
            Sem palavras a professora pede silêncio e inicia sua chamada. Em seguida anota a pauta no quadro. Calejada pelos anos que leciona não seria agora que iria se sensibilizar por ouvir que um aluno vai à escola pela merenda. Hora do intervalo é sagrada, pois é a hora de matar a fome que para muitos a única alimentação do dia. Portanto é aquela correria para colar na fila da merenda e conferir o que tem para comer repetidas vezes, e ainda sobrar um tempo pra correr de um lado para o outro.
- Salve Joey! Vai bater um rango ai com nóis.  
- Tá salvado! Tô colando.
- Tia coloca mais um pouco ai.
- Você pode repetir menino.
- Pô entrar na fila outra vez é osso, faz essa vai.
             O governador inventou as “Escolas Gourmet”, escolas do tempo integral, lá segundo eles tudo é melhor. Têm duas merendas, professores mais bem pagos, educação de qualidade. E nas periferias as “Escolas Diet Fit”, onde fecham salas, e superlotam outras, onde professores não recebem o mesmo e os cortes continuam para ajustar o orçamento. Em suma, a escola passa por uma dieta rigorosa de recursos e quem nela trabalha, sai de lá com o mesmo sentimento de sair de uma academia, porém com a cabeça a milhão.
- Salve Joey! Tó uma bala ai parsa.
- Tá salvado! Opa agradece.
- O que você aprendeu hoje na escola?
- Ah que caqui é um tomate doce e que almeirão é uma alface amarga.
            Estes sentem cotidianamente o amargo da vida tomar conta de sua doce infância.
- E a tabuada?
- Que tabuada o que. Hoje comi cinco vezes.
- Estava bom o rango?
- Ah não estava, mas comi do mesmo jeito.  Ce é loko, dormir com fome é osso.
            Ou seja, rola uma sinceridade intrínseca na molecada. Jogam a real do porque estão ali. Alguns nunca faltam, porque se ficam em casa tem de fazer serviços domésticos e não tem o que comer. O brincar na escola é o brinde depois de se alimentar. Logo ele tem de ouvir da professora.
- Menino, educação vem de berço!
- Sora. O que é berço?
- Lugar onde criança dorme.
- Mas eu durmo com meus dois irmãos e mais quatro primos em um colchão no chão, porque a casa só tem cozinha, banheiro e quarto.
            Como explicar a diferença entre educação familiar e educação bancária oferecida na rede pública de ensino para o menino?

- Salve Joey! Deixa eu dar um role nessa Bike ai.
- Tá salvado! Qualquer dia deste você anda.

            É assim que muitos deles voltam para casa, de barriga cheia e cabeça vazia. Dorme para esquecer o sofrimento, mas a fome o acorda para um pesadelo chamado vida.
Joey é escritor Autodidata. 

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