Como canta Racionais “periferia é periferia em qualquer
lugar” e escola de periferia também é escola de periferia em qualquer lugar. Assim
me aproximo mais um dia da escola que trampo. Ou como diria os próprios alunos.
Você trabalha ou só dá aula?
- Salve Joey! E essa bike ai? Cabulosa heim!
- Esta salvo! Ou melhor, é tá salvado que fala né!
Saída dos alunos e
professores do período da manhã e a entrada dos da tarde é aquela função. Bicicleta
que sai bicicleta que entra. Entre gritarias e assovios que agitam a rotina do
dia a dia. Porém desde que leciono sempre me indago por que alguns alunos - e
estes não são poucos- sempre chegam bem mais cedo do que os demais que na sua
esmagadora maioria vem na sola.
- Salve Joey! E essa
peita ai? Das loka heim!
- Tá salvado!
Chinelo de dedo branco remendado com clips que ganhou da
inspetora, bermuda de tactel estampado do irmão e camiseta branca encardida. É
assim que a maioria deles vão chegando, chegando e não para mais. Indo em
direção ao refeitório tomar suco e comer bolacha.
- Oh tia! Rola pegar um
pouco mais pra comer depois?
- Pode sim menino.
- Agradece!
O sinal é o limite entre deixar de comer e ir para a sala
de aula. Mochila fodida, ganhada da patroa da mãe, toda customizada com frases
escritas de corretivo e coloridas de canetinhas. Logo a professora pergunta.
- Onde esta o seu
material?
- Material? Para que
material, se eu venho na escola para comer!
Sem palavras a professora pede silêncio e inicia sua chamada.
Em seguida anota a pauta no quadro. Calejada pelos anos que leciona não seria
agora que iria se sensibilizar por ouvir que um aluno vai à escola pela
merenda. Hora do intervalo é sagrada, pois é a hora de matar a fome que para muitos
a única alimentação do dia. Portanto é aquela correria para colar na fila da
merenda e conferir o que tem para comer repetidas vezes, e ainda sobrar um
tempo pra correr de um lado para o outro.
- Salve Joey! Vai bater
um rango ai com nóis.
- Tá salvado! Tô
colando.
- Tia coloca mais um
pouco ai.
- Você pode repetir
menino.
- Pô entrar na fila
outra vez é osso, faz essa vai.
O governador
inventou as “Escolas Gourmet”, escolas do tempo integral, lá segundo eles tudo
é melhor. Têm duas merendas, professores mais bem pagos, educação de qualidade.
E nas periferias as “Escolas Diet Fit”, onde fecham salas, e superlotam outras,
onde professores não recebem o mesmo e os cortes continuam para ajustar o
orçamento. Em suma, a escola passa por uma dieta rigorosa de recursos e quem
nela trabalha, sai de lá com o mesmo sentimento de sair de uma academia, porém
com a cabeça a milhão.
- Salve Joey! Tó uma
bala ai parsa.
- Tá salvado! Opa
agradece.
- O que você aprendeu
hoje na escola?
- Ah que caqui é um
tomate doce e que almeirão é uma alface amarga.
Estes sentem cotidianamente o amargo da vida tomar conta
de sua doce infância.
- E a tabuada?
- Que tabuada o que.
Hoje comi cinco vezes.
- Estava bom o rango?
- Ah não estava, mas
comi do mesmo jeito. Ce é loko, dormir
com fome é osso.
Ou seja, rola uma sinceridade intrínseca na molecada.
Jogam a real do porque estão ali. Alguns nunca faltam, porque se ficam em casa
tem de fazer serviços domésticos e não tem o que comer. O brincar na escola é o
brinde depois de se alimentar. Logo ele tem de ouvir da professora.
- Menino, educação vem
de berço!
- Sora. O que é berço?
- Lugar onde criança
dorme.
- Mas eu durmo com meus
dois irmãos e mais quatro primos em um colchão no chão, porque a casa só tem
cozinha, banheiro e quarto.
Como explicar a diferença entre educação familiar e
educação bancária oferecida na rede pública de ensino para o menino?
- Salve Joey! Deixa eu
dar um role nessa Bike ai.
- Tá salvado! Qualquer
dia deste você anda.
É assim que muitos deles voltam para casa, de barriga
cheia e cabeça vazia. Dorme para esquecer o sofrimento, mas a fome o acorda
para um pesadelo chamado vida.
Joey é escritor Autodidata.
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